terça-feira, 24 de março de 2009

IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS : MULTA INAPROPRIADA.


EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE MIRACEMA



Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado.
Socorrei o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios;
Eles nada sabem, nem entendem; vagueiam em trevas; vacilam todos os fundamentos da terra.

(Salmos, 82:2-5)
Autos do proc. nº





S. B. G., nos autos do Inventário dos bens deixados por G. P. G., pelo Defensor Público abaixo assinado, vem expor e requerer o que se segue:

breve síntese do desenrolar do feito

I- Trata-se do inventário dos bens deixados por G.. P. G., morto aos 09.01.2004 (v. fls. 3-5). A petição inicial foi distribuída aos 30.01.2004 (fl. 3). Primeiras Declarações, datadas de 28.07.2004, prestadas às fls. 20-23, na qual foi acusada a existência de quatro herdeiros e de um bem imóvel.

II- A avaliação foi levada a efeito aos 09.12.2004, com a qual concordou a inventariante, sem nada mais acrescentar ao monte (v. fls. 44-45 e 48). Os respectivos cálculos do tributo causa mortis vieram aos autos no final do mês de setembro de 2005 (fl. 55) e, depois do assentimento da Fazenda Estadual e da inventariante (cf. fls. 55-vº e 56), foram homologados pela decisão de fl. 57, que remonta a 14.12.2005.
III- Vencidas todas as etapas processuais, a inventariante encaminhou os autos do processo à Delegacia Regional de Fiscalização para a adoção das providências necessárias ao lançamento do tributo devido.

Qual não foi a surpresa da inventariante e dos demais herdeiros ao se depararem com a imposição de uma multa escorchante de 50% sobre o valor do imposto devido, oriunda do não-pagamento da exação no prazo de 180 dias, contados da avaliação, ex vi do que dispõem os artigos 18, I, e 20 da Lei Estadual nº 1.147/89.

IV- Entretanto, a penalidade imputada aos contribuintes é ilegal, discriminatória e desarrazoada, ao lado de se travestir de um induvidoso caráter confiscatório e desproporcional, como se revelará nas linhas que se seguem.

1 – do termo a quo da exigibilidade do imposto mortis causae

V- Antes de se encetarem maiores digressões sobre a sádica e indigesta pena moratória concebida pela legislação estadual, convém enfatizar – consoante iterativa e copiosa jurisprudência de nossos tribunais – que o termo inicial da exigibilidade do imposto de transmissão causa mortis é a data do trânsito em julgado da decisão homologatória dos respectivos cálculos.

Nesta linha de raciocínio, é de se ver, a título de ilustração, o teor do verbete da Súmula nº 114 do Supremo Tribunal Federal:

Súmula nº 114. O imposto de transmissão “causa mortis” não é exigível antes da homologação do cálculo.

De mais a mais, a orientação do Excelso Pretório consolidou um paradigma na direção do qual aponta o pensamento das demais cortes de julgamento, entre elas o Tribunal de Justiça do Estado, que já decidiu:
INVENTARIOIMPOSTO SOBRE A TRANSMISSAO DE BENS IMOVEIS (CAUSA MORTIS)
SUMULA 114, DO S.T.F.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL. CAUSA MORTIS. O entendimento dominante do COLENDO STF, o qual consta do Repertório da Jurisprudência Predominante da Magna Corte de Justiça, verbete n° 114, é no sentido de que o imposto de transmissão causa mortis não é exigível antes da homologação do cálculo. Precedentes desta Corte de Justiça Estadual. Recurso conhecido e provido, acolhido o Parecer do MP, no sentido de aplicação da SÚMULA mencionada. Recurso conhecido e provido.
(TJRJ – Ac. unân. da 10ª Câm. Cív. – Rel. Des. Ivan Cury, Agr. nº 2004.002.00282, julg. em 17.08.2004)

INVENTÁRIOIMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS
HOMOLOGACÃO DE CÁLCULO
SÚMULA 114, DO S.T.F.
INVENTÁRIO. IMPOSTO CAUSA MORTIS. MULTA DA LEI ESTADUAL Nº 1427/84. CÁLCULOS HOMOLOGADOS. CIÊNCIA DE TODOS OS INTERESSADOS, INCLUSIVE A FAZENDA ESTADUAL. MATÉRIA SUMULADA PELO EXCELSO STF (SÚMULA 114). AGRAVO RETIDO. SENTENÇA QUE HOMOLOGA A PARTILHA. RECURSO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. DESPROVIMENTO.

(TJRJ – Ac. unân. da 9ª Câm. Cív. – Rel. Des. Renato Simoni, Ap. Cív. nº 2002.001.17137, julg. em 11.02.2003)

VI- Com efeito, se a exação tributária só pode ser exigida depois da decisão que homologa os cálculos a que se refere, a ilegalidade da funesta multa de 50% salta aos olhos, porque impõe aos contribuintes uma penalidade em razão do descumprimento de uma obrigação que ainda não era exigível.

Dito de outra maneira, e por mais paradoxal que possa parecer, a canhestra pena moratória engendrada pelo apetite arrecadatório estatal busca punir os contribuintes por não terem feito uma coisa a que ainda não estavam obrigados a fazer!

VII- Portanto, tendo em vista que a decisão que homologou os cálculos do tributo causa mortis foi prolatada aos 14.12.2005, cai em evidência a ilegalidade e a injustiça da multa fiscal arbitrada pelos funcionários da repartição tributária da região, razão pela qual se impõe a exclusão da referida penalidade do montante do imposto de transmissão, o que aqui se requer.

2 – do valor desarrazoado da multa moratória
e de seu caráter confiscatório

VIII- Outrossim, a penalidade de mora editada pela legislação estadual igualmente se sobressai desarrazoada. É que, diante de um simplista e ligeiro juízo de proporcionalidade, senão de bom senso, infere-se, sem grandes agruras de raciocínio, o quão aviltante e onerosa é a odienta multa de 50% baseada no artigo 20 da Lei Estadual nº 1.147/89.

A razoabilidade, ou, para alguns, a proporcionalidade, se considerada ínsita à atividade estatal, consiste, num esforço de síntese, na verificação da compatibilidade entre o meio empregado pelo poder público e os fins a que visou concretizar, como resultado da aferição da legitimidade da finalidade almejada.
IX- Desse jeito, é intuitivo que a penalidade fiscal imputada aos contribuintes é desmedida e desproporcional. E é-o não só por não existir mora que justifique o arbitramento da multa, ponto que já foi enfrentado nos parágrafos anteriores, mas também porque o patamar de 50% revela-se assombrosamente elevado, o que põe em ruínas o equilíbrio proporcional entre o conteúdo econômico da pena de atraso e a sua própria razão de ser.

Diria Linhares Quintana (Derecho constitucional e instituciones políticas, Buenos Aires, Ed. Plus Ultra, 1981, p. 462, nossa livre tradução):

A razoabilidade consiste na adequação dos meios utilizados pelo legislador para a obtenção dos fins que determina a medida, a fim de que tais meios não apareçam como infundados ou arbitrários, quer dizer, não proporcionados às circunstâncias que os motiva e aos fins que por ele se procura alcançar (...) Trata-se, pois, de uma correspondência entre os meios propostos e os fins que através deles devem ser alcançados.

Não se pode, por igual, abdicar da didática opinião de José dos Santos Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo (11ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 24):

Com esses elementos, desejamos frisar que o princípio da razoabilidade tem que ser observado pela Administração à medida que sua conduta se apresente dentro dos padrões normais de aceitabilidade. Se atuar fora desses padrões, algum vício estará, sem dúvida, contaminando o comportamento estatal.

X- Daí que, desarrazoado e desproporcional o encargo tributário questionado, torna-se manifesto o seu caráter confiscatório, atributo que é clara e textualmente repudiado pela ordem jurídico-constitucional vigente, ex vi do inciso V do artigo 150 da Constituição da República.

XI- E nem se venha argumentar que princípio do não-confisco não tem aplicação nos casos de multas e penalidades derivadas do descumprimento de obrigações principais e acessórias.

Em primeiro lugar porque a locução constitucional fala em “tributo”, gênero de que a multa é espécie (artigo 3º c/c 113, § 3º, do Código Tributário Nacional), pelo que, conforme a velha máxima de hermenêutica, não deve o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu. E, em segundo lugar, porque a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme quanto à aplicabilidade da não-confiscatoriedade às multas, em homenagem ao direito fundamental à propriedade e ao princípio da proporcionalidade (STF – Pleno – Rel. Min. Ilmar Galvão, ADIn nº 551/RJ, julg. em 24.10.2002).

Vale acrescentar, neste passo, a opinião festejada de Sampaio Dória (apud Luiz Emygdio F. da Rosa Junior, Manual de Direito Financeiro & Tributário. 17ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 356):

Mas as restrições à plenitude dos direitos patrimoniais, sujeitos ao atendimento das necessidades fiscais, não podem ser desatendidas ao ponto de importar a integral absorção da propriedade, rompendo-se totalmente o já de si precário equilíbrio entre os benefícios genéricos, propiciados pelo Estado, e os tributos que, em contrapartida, demandam dos cidadãos.

XII- Mas não se quer, ao menos aqui, discutir a relação de equilíbrio entre os benefícios propiciados pelo Estado e os encargos proporcionados, pois, levado esse raciocínio às últimas conseqüências, tamanho o descalabro e os desmandos que assolam o território fluminense, chegar-se-ia à conclusão de que os contribuintes não devem nada ou, quando muito, R$ 1,00...

Isto é, “o tributo é inexorável, mas o ‘poder de tributar’ não deve ser o ‘poder de destruir’ ou de aniquilar o patrimônio do sujeito passivo” (Eduardo Sabbag, Elementos do Direito Tributário. 7ª edição. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 39), donde concluir-se pela acintosa desproporção do montante da multa do imposto de transmissão causa mortis e por seu irrefreável conteúdo confiscatório.

XIII- Ante o exposto, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal, colegiado guardião da Carta Política de 1988, tem “admitido a redução da multa moratória imposta com base em lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcionado, feição confiscatória” (STF – Ac. unân. da 2ª Turma – Rel. Min. Moreira Alves, REsp. nº 91.707-MG), esperam a inventariante e demais herdeiros que seja ordenada a exclusão da bojuda multa sobreposta ao imposto de transmissão causa mortis ou, no mínimo, a sua redução até um percentual razoável e compatível com os princípios da não-confiscatoriedade e da proporcionalidade.

3 – da ausência de responsabilidade imputável aos contribuintes

XIV- Por último, conquanto não menos importante, a inventariante e os demais interessados querem registrar que o retardamento no pagamento do tributo de transmissão não teve origem na sua conduta ou em qualquer falta originada por incúria ou desinteresse.

Ao contrário, ressumbra dos autos que o atraso na tentativa de pagamento do imposto defluiu de causas naturais e comuns à rotina atual do Poder Judiciário, assombrado por um volume desumano de feitos, pela obsolescência da legislação processual e pela notória injustiça social que campeia no Estado, cujos governos não têm sido capazes de engendrar nada além do que políticas de tudo a R$ 1,00.

XV- Avultam igualmente as dificuldades e os empecilhos pertinentes à estrutura sucatada da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que, aviltada em sua dignidade, tem sido alvo de um sistemático e velado processo de degradação, com locais de trabalho fétidos e em ruína, acúmulo crescente de serviço e uma política remuneratória incompatível com uma instituição que, aos olhos da Constituição do Estado, é “expressão e instrumento do regime democrático”.
Para uma política de governo canhestra, excludente e elitista, garantir a defesa de direitos fundamentais e assegurar o acesso à Justiça dos cidadãos desvalidos é um estorvo indesejado, haja vista que a emancipação do povo é uma aspiração francamente contrária aos desideratos populistas, para os quais a miséria e a injustiça representam o esteio fundamental para a concretização de planos de eternização no poder.

XVI- Na realidade, por baixo do encanto da fórmula “eu amo o povo” subjaz o um artifício semântico bolado para manter tudo como sempre foi, criando laços de dependência clientelista para a perpetuação das amarras de submissão eleitoreira, idéia cuja perversão foi muito bem sintetizada nas palavras do poeta francês Charles Péguy:

O triunfo dos demagogos é fugaz. Mas as ruínas são eternas.

XVII- Mas questões desse quilate parecem não ter nenhuma importância para as pautas políticas dos últimos anos, interessando muito mais a consecução de planos de governo opressivos e tacanhos, que pregam o enrijecimento do aparato de persecução e repressão dos pobres, dos desvalidos e dos alijados e que divulgam a cultura do assistencialismo messiânico, encarnado na mística figura do caudilho pós-moderno, que, em nome do criador, reivindica o monopólio das soluções para os problemas do mundo.

Pertinente, assim, no contexto do acesso à Justiça no quadrante regional, a imagem perpetuada por Julio Maria Sanguinetti, ex-presidente do Uruguai:

Todo político em busca de reeleição é um animal perigoso.

XVIII- Como se vê, o atraso no pagamento do imposto de transmissão por parte dos contribuintes teve origem na própria conduta furtiva e reticente do Estado, que recalcitra de modo contumaz na estruturação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, sonegando-lhe condições dignas de trabalho e solapando, às escâncaras, o mandamento encartado no artigo 134 da Carta Política de 1988.
Ora, negar meios de acesso à Justiça aos contribuintes e, logo depois, imputar-lhes uma multa pelo atraso no pagamento do imposto constitui um dos mais sórdidos e perversos atos da administração estadual, pois, com a mão direita, o Estado furta dos cidadãos o direito de acesso à ordem jurídica justa – oferecendo-lhes uma Defensoria Pública em vias de extinção, com condições de trabalho abjetas e uma política remuneratória aviltante – e, com a mão esquerda, culpa-os pelo que a mão direita causou !

Nada mais paradoxal e injusto! Aliás, essa postura bilíngüe foi censurada nos próprios Evangelhos, como se observa em Lucas, cap. XVI, v. 13:

Não se pode servir a Deus e a manon.

XIX- À volta com termos estritamente jurídicos, vale lembrar que a jurisprudência de nossos tribunais é plenamente favorável à liberação do encargo moratório toda vez que os contribuintes do imposto de transmissão causa mortis forem assistidos pela Defensoria Pública e/ou quando o atravancamento na tramitação do processo não tiver origem em sua incúria ou em qualquer fato que lhes seja imputável.

Vejam-se, aliás, os seguintes arestos:

Civil. Imposto Causa Mortis. Multa. CPC. Arts. 1.031, § 2º e 1.034. Lei 6.838/80 (Art. 5º).
1. A demora no recolhimento do tributo, causada por procedimentos judiciários, não pode ser debitada à inércia do contribuinte, sob pena de ser malferida a eqüidade jurídica.
2. Recurso provido.

(STJ – Ac. unân. da 1ª Turma – Rel. Min. Milton Luiz Pereira, REsp. nº 258.152-SP, julg. em 06.09.2002)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO -- IMPOSTO DE TRANSMISSÃO - MULTA - POSTULAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA, QUE ASSISTE O ESPÓLIO, RELATIVAMENTE À DEVOLUÇÃO DO PRAZO PARA O RECOLHIMENTO DO TRIBUTO ISENTO DE MULTA, TENDO EM VISTA QUE A SUA INTIMAÇÃO PESSOAL A RESPEITO DO VALOR DOS BENS E, CONSEQÜENTEMENTE, DO CÁLCULO DO IMPOSTO, FOI LEVADA A EFEITO MUITO APÓS. À ELABORAÇÃO DO LAUDO DE AVALIAÇÃO – Considerando que o laudo de avaliação data de 15.06.2004; que tal documento foi entregue em cartório em 24.06.2004 e que a intimação pessoal da Defensoria Pública somente ocorreu em 04.10.2004 e, portanto, quase quatro meses após, afigura-se justa a devolução do prazo de 180 dias para o recolhimento do imposto sem multa, uma vez que o jurisdicionado não pode ser prejudicado por atraso no procedimento judiciário. PROVIMENTO DO RECURSO.
(TJRJ – Ac. unân. da 1ª Câm. Cív. – Rel. Des. Helena Belc Klausner, Agr. nº 2005.002.09419, julg. em 23.08.2005)

XX- Por conseqüência, essa conjunção de fatores não leva à conclusão diversa, senão a de que a exclusão da glutona multa de 50%, mais do que medida de Direito, constitui providência de Justiça, tendo em vista que o retardamento no pagamento do imposto de transmissão foi gerado por causas estranhas à intenção dos contribuintes – quando não pela própria incúria e incompetência da administração pública estadual.

conclusão

Ante o encimado, requer:

a) seja declarado pelo Juízo que o termo inicial da exigibilidade do imposto causa mortis é o trânsito em julgado da decisão homologatória dos cálculos;

b) por conseguinte, seja excluída do montante do imposto de transmissão apurado pela Delegacia Regional de Fiscalização a respectiva multa de 50%;

c) a intimação pessoal do responsável pela Delegacia Regional de Fiscalização 10.01, para que tome ciência da deliberação sobre o dies a quo da exigibilidade do tributo mortis causa e para proceder à exclusão do valor da multa, sob pena de caracterização de crime de desobediência.

Miracema,

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MARCOS LANG
Defensor Público
Matrícula nº 817900-4

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA


A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou três recursos especiais em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP) pedia a não aplicação do princípio da insignificância adotado pelo Tribunal de Justiça gaúcho. Os três casos, relatados pelo ministro Arnaldo Esteves Lima, tratam de tentativas de furto de objetos que foram restituídos aos donos.Em um dos casos, o tribunal estadual absolveu o réu que havia sido condenado em primeiro grau por tentar furtar uma cafeteira elétrica avaliada em R$ 55,00. Na sentença, o furto foi julgado como qualificado por envolver mais de uma pessoa e devido ao rompimento de obstáculo para alcançar aquele fim. O Ministério Público questionou o laudo pericial por ter sido realizado por peritos sem curso superior e alegou que a conduta do réu é penalmente relevante.Em outro processo, o MP contestou a rejeição da denúncia contra duas pessoas que tentaram subtrair 17 barras de chocolate e um pacote de vitamina C de um supermercado. Os produtos foram avaliados em R$ 62,56. Em primeiro e segundo grau, foi aplicado o princípio da insignificância em razão do valor ínfimo dos artigos, sem nenhuma repercussão no patrimônio da vítima. No terceiro caso, um homem arrombou um Fusca para furtar uma bateria de 12 volts e um alicate, avaliados em R$ 105,00. Os bens foram recuperados por policiais militares e devolvidos à vítima.O tribunal estadual acatou a apelação e absolveu o réu por entender que o fato não justificava a movimentação do Judiciário. Em todos os processos, o ministro Arnaldo Esteves Lima ressaltou que o princípio da insignificância tem grande relevância na medida em que exclui da norma penal aquelas condutas em que a ação e o resultado impliquem ínfima lesão ao bem jurídico. Ele destacou que todas essas tentativas de furto, embora se encaixem na definição jurídica do crime de furto tentado, não ultrapassam o exame da tipicidade material.O ministro completou que é desproporcional impor pena restritiva de liberdade nesses casos, uma vez que a ofensa das condutas foi mínima, não houve nenhuma periculosidade social das ações, foi reduzidíssimo o grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão aos bens jurídicos se revelou inexpressiva. Esses, aliás, são os requisitos definidos pelo Supremo Tribunal Federal para incidência do princípio da insignificância.